Olhar para o futuro conversando com o passado. Entender o presente e toda a história pregressa impregnada para fazer dele o que é. Admirar o novo dando o antigo o seu devido valor. Assim é o cotidiano de Victoria Ceridono. Desde a adolescência ela entendeu que não precisava e não queria ser refém da voracidade da moda. Ao contrário, vestia o que quisesse, com base nas informações que juntou em seu arcabouço mental. O que se eternizou no passado, entrando do hall dos clássicos, ganhava temperos contemporâneos nas criações dela. O delineado gatinho, famoso nos anos 1950, funcionava com as cores dos anos 1980. O estilo heroína chique, borradinho, rock n´roll dos anos 1990 não precisa ser ultrapassado, engaiolado em uma década que se foi. O brilho sempre cabe onde ela bem entender, sem amarras nem limites. “Desde sempre vesti o que eu quis. Minha mãe tem estilo próprio e foi uma referência. Eu não me visto igual a ela, mas sou uma pessoa que sei que posso ter estilo próprio e sei o que usar, independentemente da moda. Sempre gostei de moda desde pequena, li e estudei muito. Comecei a exercitar isso desde muito nova e acho que moda é um exercício mesmo. É autoexpressão, o jeito como você se veste comunica alguma coisa”, conta Vic.
Ao ver as fotos antigas, instantes perpetuados em luz e sombra, Vic não sente bater aquela culpa fashionista “ onde eu estava com a cabeça de sair com essa roupa?”. Sempre ousou escapar do que disseram que ela deveria ser. “ Eu me visto de acordo com minha personalidade. Eu sempre fui a amiga fashion. Nunca liguei para o que os amigos falavam. Eles diziam: `onde você vai com essa roupa`? Eu uso o que eu quiser e está tudo certo. O meu estilo não mudou muito, evolui e se adapta com as fases da vida. Tenho peças que estão no armário há mais de 10 anos e algum dia elas voltarão a fazer sentido”.
Quando Vic invoca para si a prerrogativa de ser livre no que vestir, em como se pentear, pra se apresentar por inteiro como gosta, como é, ela abre espaço para todo mundo que escolhe não mutilar pedaços de si mesmo para caber em um molde definido. Quando cresceu a pressão para assumir os cachos, ela deixou claro que usa as madeixas como der na telha. Ao revelar que não tem orelhas furadas, ouviu tanto burburinho. Ao desfilar por aí com os vestidos mais fluidos e leves combinados com os coturnos mais pesados, rompeu barreiras. Mistura sem cerimônia peças vintage, heranças de família, e coleções da próxima estação. Se leva íntegra para onde vai, e onde está, quando está, se torna inspiração, por se vestir de liberdade. “ Até hoje me impressiona saber que eu inspiro alguém. Acho muito legal quando ouço isso porque sei que estou fazendo o meu trabalho direito”.
Seja nas roupas, nas palavras enfileiradas em revistas ou sites, nos vídeos expostos na internet ela comunica o tempo todo, por profissão e vocação. Formou-se jornalista em São Paulo e iniciou a carreira unindo o aprendizado acadêmico com o que adquiriu por conta própria no correr da vida. Trabalhou no site Chic, de Gloria Kalil, e atuou como editora de beleza da revista Vogue durante 8 anos. Em 2007, transformou seus amados dias de beleza em inspiração para muita gente que aproveitava quando tem um dia para exercitar o autocuidado. Fundou o blog Dia de Beauté. Ali, na tela do computador (e depois no celular) ela dividia com leitores as informações apuradas sobre lançamentos do mercado de cosméticos, dicas de maquiadores, truques para quem, como ela, ama maquiagem e também para quem não ama mas queria fazer dos pinceis, aliados. O dia a dia dela virou modelo para muita gente. “Sempre considerei moda e beleza como assuntos sérios, mas vivi num universo em que isso era considerado fútil, secundário. Eu sou um pouco teimosa porque quando acho que uma coisa faz sentido, não adianta... Eu vou continuar acreditando que moda e beleza têm um papel importante, são ferramentas que não mudam a vida de ninguém, mas permitem que as pessoas se transformem e mudem suas vidas. São instrumentos que estão à nossa disposição, e se formos inteligentes vamos usá-los bem e a nosso favor”.
Desafiando relógios e geografias, com a mente aberta, passou a ganhar o mundo com naturalidade, a transitar com leveza e segurança por tantos países, tantas culturas, porque ela mesma faz questão de respeitar e se misturar a todas elas. Ama a moda sem temer modismos, nem desafios, nem distâncias. Talvez por isso, e ainda mais por isso, tenha se tornado referência para tantos seguidores em assuntos tão vastos. Da maquiagem para o cotidiano à da festa glamourosa, das viagens mais triviais aos destinos inusitados, da preparação da mala à salada de salmão, das exposições de arte às praças e belos jardins. Ela divide com generosidade e inteligência as manhãs inglesas mais geladas, os dias quentes em Capri ou Marrocos. A rotina puxada de trabalho e a pausa para um chá. Na praia debaixo do sol (com a pele protegida!), em um quarto de hotel ou nos eventos de gala, ela se multiplica e existe fisicamente, inteira, decidida, em diversos pontos de sua vida. É jornalista sim, por dever de ofício, a compartilhar informações a todo tempo. É blogueira com intimidade conquistada a frente das câmeras, habituada a noticiar e ser notícia também. É filha, irmã, esposa, amiga que oferece ombros e afetos. É agora empresária, com o nascimento tão aguardado de Vic Beauté.
Sim, amalgamados pelo tempo, Vic se fundiu ao sucesso do Dia de Beauté para dar à luz uma linha de produtos tão versáteis como sua criadora. Batons que viram blush, blushes que viram sombras, tudo encapsulado pelo apreço de Vic à forma e ao conteúdo, com respeito às tão urgentes questões ambientais e tanta visão de mercado. “Sou muito fã de marcas e produtos. Me relaciono com os produtos de um jeito que não é só racional. O que me conecta com as marcas é a história, o que elas representam, o que trazem para o mundo como conceito. Eu não precisaria trazer uma marca para o mundo, tinha mais vontade de ter uma loja. Mas lancei o batom em parceria com a M.A.C e a calça jeans da Hering, ambos edições limitadas. Eu percebi que existia um espaço pra eu oferecer mais para as pessoas. Eu coloco muita energia, trabalho muito em cada ideia. E essas duas coisas duraram uma semana. Acabaram e nunca mais voltaram. O projeto que era muito legal virava quase uma frustração. Eu queria uma coisa minha, minha marca. Comecei a elaborar ideias. Sobre roupas, eu não tenho know how. Sei o que quero, tenho referências, mas precisava de alguém que trouxesse a estrutura pra fazer junto. Como sou amiga das meninas do Gallerist (curadoria delicada de moda e outros artigos vendidos no site de mesmo nome), e elas já tinham modelo e experiência em encubar marcas dentro da estrutura delas, a gente criou a Vic Essentials. Para marca de maquiagem queria um projeto sólido e estruturado, diferente de tudo o que fiz. Eu sempre conduzi tudo na minha carreira sem saber onde ia chegar. Sempre levei tudo muito a sério, porque sou assim, mas não comecei o Dia de Beauté com uma estratégia. Foi acontecendo aos poucos. Quando decidi lançar a marca tinha muito claro na minha cabeça que esse era o projeto da minha vida. Levantei investimento, planejei uma marca independente, reuni uma equipe incrível. O projeto atraiu pessoas maravilhosas que acreditaram nele e trabalharam por quase 4 anos para lançar”, relembra ela.
Enquanto as estações se alternavam, atravessando fusos horários, ela, morando em Londres, desenvolveu o projeto, testou produtos, escolheu cores, texturas e formatos no Brasil. Tudo embalado com muito charme em um tom de verde dentro da paleta do blog. Tudo pensado hoje para preservar o planeta para quem chega amanhã. “ Com certeza sustentabilidade é importante. A gente ficou meses debatendo o recheio da caixa do e-commerce, evitamos plástico. Participamos do programa Eu Reciclo desde o começo. A Vic Beauté não é legal porque tem fórmulas limpas, porque a gente busca alternativas sustentáveis e de menor impacto, por ter refil no batom Facinho, por exemplo. Não pode ser comunicado como se nós fôssemos legais por isso. Comunicamos porque as pessoas querem e precisam saber, porque é um pilar relevante para mim fazer as coisas de forma correta, não por marketing. Para mim, não existe como lançar uma marca em 2022 sem ser cruelty free. As questões relacionadas ao impacto não são uma bandeira da marca, são default, uma obrigação do nosso tempo”, ressalta ela.
O tempo. Esse senhor que corre apressado a apressar as agendas alheias, torna-se elástico nas mãos de Victoria Ceridono. Surpreende ver como cabe tanta coisa nas parcas 24 horas do seu dia: produzir conteúdo para a internet, frequentar desfiles de grifes badaladas mundo afora, ensaios fotográficos, lançamentos de novas marcas, um sem fim de viagens e baladas que fazem a noite parecer não ter fim. Se falta tempo para algo, não é par estar cercada de amigos por onde quer que ela passe. “As minhas amigas não gostam de maquiagem. Dizem que queriam saber se maquiar, mas que não vão perder tempo vendo tutoriais. Vejo que há um abismo entre o que a gente vê na internet e na vida real. Faço vídeo no Youtube há 13 anos e o que mais tem é gente que não gosta e não vê necessidade de aprender, mas que gostaria de se arrumar de vez em quando. A minha ideia para a Vic Beauté é realmente trazer produtos que facilitem a vida das pessoas”.
Experiência de vida e a liberdade de não deixar sua vida ser controlada pelo relógio fizeram com que ela enxergasse o tempo mais como aliado do que como inimigo. Aliás, ela aprendeu a se enxergar. E ponto. Com boas doses de gentileza, com a incessante capacidade de reconhecer como é em todos os seus valores e qualidades. “ Sempre penso na passagem do tempo. Reconheço que devo ter uma genética boa, e também cuido da minha pele há muito tempo, então é natural que ela esteja melhor do que se eu nunca tivesse cuidado. Mas entendo que cada fase da vida tem sua beleza. Não é só externo. É muito o que vem de dentro. Nunca fui exemplo de beleza, mas sou feliz na minha pele. É um lugar onde é bom de se estar. E a autoestima é exercício da gente se olhar, se entender, ver o que a gente gosta na gente. Hoje a gente vive em uma era em que você vê alguém em uma foto e ao vivo ela é uma outra pessoa. As pessoas parecem escolher viver a foto e não a vida”.
Para ela, o importante é o contrário disso, ou seja, capturar a sensação que constitui sua passagem pela Terra no agora, no já, sorvendo o que há de melhor neste mundo, captando seus lugares, suas gentes, registrando com olhos e sorrisos o que viveu de verdade. Isso é sabedoria que o tempo só ensina para quem enxerga a beleza de aprender com ele.
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