No poema VII de “O Guardador de Rebanhos,” Fernando Pessoa escreve: “(...) Porque eu sou do tamanho do que vejo. E não do tamanho da minha altura(...)”. Como se inspirada em poesia, do alto de seus 1,53m, Cíntia é gigante porque enxerga grandeza em cada um dos que cruzam o seu caminho.
Nascida em Santo André, no ABC paulista, uma terra forjada por trabalhadores, Cíntia Giroldo de Araújo Sunega cresceu ao lado dos dois irmãos, cercada de amor por pais, tios e avós, gente que permitia que a felicidade permeasse a rotina simples.
Quando chegou a idade de escolher um rumo na vida não optou pelas carreiras corriqueiras na família, aquelas que lidam com a praticidade do cotidiano. Quis produzir sonhos. Já fazia tempos que ela frequentava os palcos com o grupo de teatro. Inventava novas vidas, fazia peças, fazia amigos, sem deixar de lado aqueles que já a acompanhavam pela vida afora. Não, Cintia não deixa ninguém para trás. Perambulou por anos pelas ruas de São Bernardo e da capital ao lado das “Gazels”, as fiéis escudeiras que se uniram na adolescência para segurarem as barras, as risadas, as lágrimas, para testemunharem as jornadas umas das outras. Juntas foram a tantos shows, teatros, cinemas, festas, aulas. Viram a chegada dos namorados e a transformação deles em maridos, assistiram o milagre a multiplicação da vida e do amor quando vieram os filhos.
Antes que os filhos chegassem, Cíntia passou a viver uma vida de televisão. Começou a trabalhar como assistente de produção. Esteve nas pegadinhas de Ivo Holanda, no programa de Silvio Santos, esteve no dia a dia das manhãs da TV Bandeirantes, no programa Dia a Dia, em trabalhos que exigiam dela que o dia tivesse mil horas, muito suor e boas pitadas de diversão. Conheceu artistas, gargalhou, desbravou outras realidades, viajou. Posou no colo dos bombeiros dos calendários, esteve atrás e em frente às câmeras. Produziu de tudo. E mais do que tudo, produziu amigos.
Ela mudou de empresa, de horário de trabalho. Na TV Cultura passou para a rotina agitada da produção de telejornais. Está aí uma profissão estressante! Produtora-executiva precisa tomar decisões a cada segundo em que o mundo muda. Precisa ter foco nos olhos e um cérebro afiado, capaz de encontrar soluções com rapidez de atleta. Cíntia tem tudo isso, mas é conhecida pela nobreza de outro órgão fundamental: o coração.
Seja amigo de longa data, seja o desconhecido que teve a sorte de cruzar agora seu caminho, a todos é oferecida a mesma deferência. Para as necessidades dos outros ela sempre apresenta solução. E para aquelas que não tem solução, ela oferece afeto. Produz imagens do que é notícia nos cantos extremos do planeta, cestas básicas para quem vive com a fome à espreita, consultas médicas, festas de aniversário, abraços coletivos para quem está carente de acolhimento. Cíntia se tornou um coração que produz, multiplica e divide amor.
Alguns anos atrás, em sua cabeça, tão exigida e ágil, instalou-se uma dor frequente. Levada pelo coração, ela seguiu em frente. Até que uma madrugada o coração, tão acostumado a olhar o outro, pediu que ela olhasse para si mesma. Perdendo as forças diante de uma dor excruciante, foi parar no hospital. Os médicos descobriram um tumor que pressionava o globo ocular e precisava ser removido. Em questão de horas, medicada e alerta, ela foi Cintia: encontrou o melhor cirurgião, o melhor hospital para o procedimento, agendou exames. Produziu o início da cura. Foi operada e a rotina acelerada da tv deu lugar à tranquilidade do lar. Como consequência da cirurgia, durante meses ela enxergou tudo em dobro. A pessoa reconhecida por distribuir amor passou a ter o carinho de quatro filhos, ao invés de dois, dois maridos ao invés de um, um sem-fim de amigos, porque assim sempre foi para ela.
Como com esse coração as batidas são aceleradas, ela se recuperou mais depressa do que o esperado e tomou a inédita de decisão de pedir para voltar ao Jornal da Tarde antes do previsto, pois já estava apta a tomar de novo decisões sagazes com o olho focado, o cérebro afiado e o coração transbordando amor.
Estava de pé, inteira, para tornar reais os últimos sonhos da amiga Patrícia, que por anos a fio lidou com um câncer, com um sorriso frouxo e uma energia contagiante que se negavam a sucumbir à doença. Estava de pé para ampará-la e voar com ela de balão. Viu seu coração se despedaçar quando chegou a hora da partida, numa morte prematura e triste. Não importa o tamanho da sua dor, Cíntia está sempre ali para ser o abrigo de outros corações. Coloca à disposição de todos a solidariedade que diminui, pelo menos um pouco, a crueldade do mundo.
Não raro, ela parece sobre-humana: enfrentou as alergias inexplicáveis do filho mais velho, a dificuldade inicial de fala do filho caçula, venceu crises conjugais, familiares, um tumor com uma força descomunal. Depara-se com as injustiças do país expostas na tela da tv todos os dias sem perder a esperança amazônica que a mantem erguida e alerta. A partida da amiga Patrícia ela ainda está enfrentando...
Suas habilidades dão a ela ares de super-heroína, daquelas retratadas no teatro e no cinema: é uma assertiva e divertida mãe, uma profissional irretocável, uma amiga presente, uma esposa parceira, uma filha atenta às necessidades dos pais, a conselheira dos irmãos, o porto seguro da sobrinha, filha do coração. No tempo que sobra é ainda ciclista, dessas que vencem amplas distâncias, com força para superar limites e sensibilidade para admirar, entre uma pedalada e outra, as belezas que a natureza esculpiu.
Há quem sinta vergonha de compartilhar as próprias dores, de admitir que vive um problema de saúde, uma preocupação no casamento, de assumir que está vulnerável. A maior coragem de Cintia é a disposição de compartilhar. Como diz o poeta, a generosidade faz dela um ser humano imenso, do tamanho daquilo que ela vê.
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