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Mulheres Inspiradoras: a boleira

Tatiana Bertoni: a jornalista que virou boleira (Foto: arquivo pessoal )





Não é o mero misturar da farinha com o açúcar. Vai além da habilidade de fazer arte com glacê ou ganache. Transformar comida em afeto, sabores em memórias, exige uma sensibilidade que curso nenhum ensina. É sabedoria fermentada pelo tempo e pela existência. Tatiana Bertoni sabe como promover transformações. Até porque testou a receita nela mesma. Por tentativa e erro acertou proporções exatas de força e delicadeza, de teoria e prática, de estudo e vocação. Singular como ela só, sua vocação é ser plural.


Nasceu em uma família que resume a essência de São Paulo: parte nordestina, parte italiana, trabalhadora por inteiro. No quintal dividido entre avós, tios e primos reconhecia o correr do tempo conforme as estações se alternavam: o frio do inverno obrigava as famílias a se agruparem, as enchentes de verão alagavam as casas e levavam todos os móveis da comunidade, comprados com o suor da labuta diária. O ano todo, as dificuldades eram vencidas com perseverança, xícaras de açúcar compartilhadas e música popular brasileira soando farta pelas janelas de casa.


Tatiana aprendeu que as lições estão por todo lado, que viver é aprender. E disposta a aprender para ensinar, viu em si a vocação para o magistério. Ofereceu-se como aprendiz em uma escola de Guarulhos, na grande São Paulo, ainda antes de sair da adolescência. A diretora reparou que poderia ali moldar a professora que sempre almejou para seus estudantes. Com afinco ela estudava nas salas de aula do magistério o que empregaria nas salas de aula da educação infantil. Passava o dia todo entre escolas, matando a fome de conhecimento, aumentando a renda da família e seu repertório de experiências. Vivenciou amor e decepção, sucessos e fracassos, numa sequência de descobertas inaugurada pela juventude. Cedo demais viu de perto a fragilidade da vida. Foi diagnosticada com uveíte, causada por toxoplasmose, problema que tirou sua paz, seu sono e quase levou a visão. O corpo padeceu com medicamentos tão fortes. Mas, no fim das contas, ela se fez forte o bastante para desbravar novos caminhos, para decidir sozinha mudar a receita da sua jornada.


Quando chegou momento de ingressar no curso superior percebeu alargar os limites da curiosidade. Queria experimentar outras vivências, testemunhar a história não apenas da classe escolar. Optou pelo jornalismo, sem medo de se lançar sobre uma realidade totalmente diversa da que a família e os amigos escolheram.


Não demorou para que seu esforço começasse a abrir portas. Foi selecionada para trabalhar na rádio CBN, enfrentando as madrugadas paulistanas e temperando as lições aprendidas na faculdade com a dureza da realidade, muitas vezes apimentada demais.


Entre o noticiário econômico e os resultados da rodada do futebol, as previsões do tempo e os novos pacotes do governo, ela transformou o colega de aula em namorado e, anos depois, marido. Transformou também a vida da família com uma casa melhor, mais estabilidade financeira, sonhos novos para sonhar. Trocou o emprego na rádio pela televisão, a apuração das notícias pela apresentação e reportagem. Fez-se também casa para duas novas vidas chegarem. Recebeu os filhos, com um amor imenso e preocupação em igual proporção.



Doces com poesia (Foto: reprodução Instagram)


Ao nascer, a filha mais nova foi diagnosticada com uma má formação na bacia que necessitaria de cuidados especiais. Tatiana se desdobrou para a pequena tivesse todo o acompanhamento, até que o problema não passasse de uma lembrança ardida do passado. A eterna apreensão com os filhos, amalgamada à tensão do dia a dia das notícias, piorou a ansiedade. Perdeu o sono, a tranquilidade e o sossego. Só não perdeu a certeza de quem ela era, de onde ela veio. Ciente de si mesma sabia que precisava buscar novos conhecimentos para se fortalecer.

Ela passava o dia olhando para o mundo. Guerras no Oriente Médio, furacões do hemisfério norte, seca extrema no nordeste do Brasil. Quando olhou para si mesma, descobriu que a receita para serenar a mente e alimentar a alma estava ali dentro, na cozinha de casa. Começou um curso de confeitaria e entre um pão de ló e um brigadeiro viu a jornalista tornar-se boleira também , e dar os primeiros passos de um novo negócio ao lado da mãe.


Tatiana e suas criações deliciosas (Foto: reprodução Instagram)



Depois das primeiras aulas outras dezenas vieram. E as encomendas cresceram junto com a experiência. O bolinho de fubá para o lanche da tarde dividia o forno com os biscoitos decorados e a sobremesa do jantar requintado. A estrutura da casa precisou de reforço. Investiu as economias na compra de formas, embalagens, farinha, manteiga e açúcar. Fermentou a própria existência adoçando as vidas alheias.


Hoje, ela se multiplica e existe plenamente nas diversas frentes a que se propõe. Tatiana é mãe atenta e carinhosa, é filha e irmã sempre dedicada, amiga para todas as horas de um sem fim de gente, conselheira e guru musical. É a jornalista competente, detalhista, mestra da boa apuração, e também a boleira que sacia as vontades dos colegas com estima e gostosuras. Faz-se presente, dia após dia, nas celebrações da vida de quem nem conhece, com bolos, doces e biscoitos saborosos e belos demais para esquecer.

Receita de perfeição (Foto: reprodução Instagram)


Não busca equivalências, nem elogios. Consciente de quem é e de onde veio, ela recheia cada um de seus atos com respeito e justiça. Se faz centenas de quitutes para quem pode pagar por eles, distribui, também os bolos para a crescente população em situação de rua, brasileiros que vivem com a fome à espreita.

A ansiedade ainda mora com ela, mas anda silenciada pela necessidade de tornar a vida do outro melhor. Tatiana Bertoni se especializou em curar o salgado cotidiano com pitadas de solidariedade. Com açúcar e com afeto, tal qual canta Chico Buarque.​

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